sexta-feira, 25 de junho de 2010

Depeche Mode, teoria literária e linguística? Sim, faz sentido…

(post dedicado ao Teo, que fez com que eu aprofundasse meu amor por Depeche Mode…)

Um mês e uns dias depois, abri o Live Writer pra escrever. Não vou ficar justificando a minha ausência, porque enfim, ficar lendo justificativas é chato pra caramba, e se eu fosse justificar todos os afastamentos que eu cometo, meus leitores leriam mais isso do que qualquer outra coisa… Não, eu não estou de mau humor, pelo contrário, eu estou com um humor excelente. Meu semestre na faculdade está quase acabando – só tenho que esperar uma nota pra poder dar adeus ao 1º semestre – e essa semana liberei dois livros pra impressão na editora. E isso é realmente MUITO bom.

E numa dessas semanas – tá registrado no Twitter, eu acho – eu tive uma epifania ouvindo Depeche Mode. Coisa meio maluca, rs. Eu costumo dizer que eu não sou boa em análise e teoria literária, e não sou mesmo: essa semana entreguei um trabalho sobre Mário de Andrade e Drummond que foi tenso pra escrever. Mas talvez, depois de um tempo estudando o assunto, as coisas vão ficando mais claras no cérebro. E a tal da epifania tem a ver com a letra da música, que se chama The bottom line.

Ei-la:

Like a cat
Dragged in from the rain
Who goes straight back out
To do it all over again
I'll be back for more
It's something
That is out of our hands
Something we will never understand
It's a hidden law
The apple falls
Destiny calls
I follow you

Like a pawn
On the eternal board
Who's never quite sure
What he's moved towards
I walk blindly on
And heaven is in front of me
Your heaven beckons me enticingly
When I arrive
It's gone
The river flows
The wise man knows
I follow you

I'm yearning
I'm burning
I feel love's wheels turning

Like a moth on love's bright light
I will get burned
each and every night
I'm dying to(o)
The sun will shine
The bottom line
I follow you

(retirado do site depeche mode dot com)

Essa música é interpretada pelo Martin Lee Gore e faz parte do álbum Ultra, de 1997. A música mais famosa desse álbum é It’s no good (deliciosa, aliás!). Eu estive ouvindo The bottom line durante uma porção de dias, e num desses dias, voltando da faculdade, à 1 da manhã, eu pesquei uma coisa de ordem semântica nos versos (vai ser nerd assim na…). E pirei, né?

Vamos lá. A Semântica é o ramo da Linguística que estuda o significado dos significantes. Falei grego? Ok, eu explico. De acordo com Ferdinand de Saussure, o pai do Estruturalismo na Linguística, o signo linguístico possui simultaneamente um significante e um significado. Dando um exemplo simples, “orquídea” é um significante é “espécie de planta da família das Orchidaceae, de natureza epífita” é um breve significado deste significante. Então a Semântica estuda o significado dos significantes. A título de curiosidade, o campo de estudo do significante é a Sintaxe.

A Semântica – mais especificamente a Semântica Lexical - utiliza uma série de conceitos para estabelecer o significado dos significantes. Já ouvimos falar de um monte deles: sinonímia (sinônimos), antonímia (antônimos), homonímia (homônimos), paronomásia (parônimos)… é uma listinha considerável, mas o meu foco não vai ficar nestes conceitos. Vou falar agora do campo semântico, que foi o que despertou a minha atenção.

Campo semântico é o significado geral de um grupo de signos linguísticos. Assim, cão, gato e coelho fazem parte de um mesmo campo semântico: são animais domésticos. Ou mamíferos. Ou animais de pequeno porte. Ou seja: agrupando uma certa quantidade de signos linguísticos, podemos tentar dar a eles sentidos gerais. Isso é o campo semântico. Nós utilizamos esse conceito quando dizemos que precisamos comprar comida, nos referindo a uma porção de itens que são comestíveis, ou que precisamos comprar roupas, nos referindo a diferentes peças de vestuário.

Aí vocês me perguntam: mas Elise, por que toda essa teoria esquisita pra falar de uma epifania? É porque eu encontrei, em alguns versos da música do Depeche, um campo semântico que alterou a semântica de outro verso. Observem:

The apple falls (a maçã cai)
Destiny calls (o destino chama)
I follow you (eu te sigo)

The river flows (o rio flui)
The wise man knows (o homem sábio conhece/sabe)
I follow you (eu te sigo)

The sun will shine (o sol brilhará)
The bottom line (o que importa)*
I follow you (eu te sigo)

Nós temos dois versos distintos em cada estrofe, junto com um que se repete em todas elas. E, no meu entendimento, cinco deles pertencem a um mesmo campo semântico: eventos que acontecem natural ou inevitavelmente. Concordam comigo? A maçã cai, o destino chama, o rio flui, o homem sábio conhece/sabe, o sol brilhará são eventos naturais, inevitáveis. E quando eu percebi isso, eu notei que há ainda o outro verso, que poderia estar solto: eu te sigo. Mas ele não está solto: naquela posição da sequência, o verso eu te sigo acaba entrando no mesmo campo semântico dos anteriores. Ou seja: a afirmação eu te sigo torna-se, também, um evento inevitável.

E na última estrofe, The sun will shine é seguido da sentença the bottom line, que é uma expressão da língua inglesa que significa “o que importa, o que interessa” (por isso o asterisco; ali não dá pra fazer uma tradução word-to-word, que não faria o menor sentido), e refere-se ao próximo verso, I follow you. E o campo semântico de I follow you, ali, acompanha o do primeiro verso. Então olhem a profundidade da coisa: seguir a pessoa torna-se um evento inevitável, e mais relevante do que o fato do sol brilhar!

Isso não é sensacional? É emocionante entender uma letra de música, entender o que o letrista tentou passar quando escreveu a música, porque esta é a graça da poesia (sim, pois letras de músicas são poesias), é comunicar algo por meio da arte. E a arte tem este poder de comover, de emocionar… e eu não entendo muito de teoria, de análise literária. E por isso eu quase tropecei nos meus pés quando andava a caminho de casa e percebi isso na letra. Claro que ouví-la ajudou bastante: a voz do Martin Lee Gore é mais suave do que a voz do Dave Gahan, e ele canta essa parte de um modo bastante terno. Só não posto aqui um vídeo com a música porque não achei nenhum video decente no YouTube. Mas, pra quem quiser ouvir, eu coloquei esta faixa do cd (a título de referência complementar) na minha pasta do MediaFire, é só clicar aqui pra baixar.

Ufa! Eu não vou nem comentar o restante da música, pois isso renderia um post muito, muito grande, e posts muito, muito grandes são tão chatos quanto justificativas repetidas. Quem sabe uma outra hora…

=)

 

(p.s./desabafo: Acho que é por causa desse tipo de música que eu ouço que eu fico meio revoltada com as músicas que andam cometendo por aí. Sem preconceitos: as pessoas ouvem o que quiserem. Mas ouvir Depeche, Smiths, ou então Chico Buarque (que eu também gosto pra caramba) é tão mais interessante do que essas… coisas… que eu tenho visto/ouvido por aí… well, é questão de gosto, não quero polemizar…)

8 comentários :

  1. Ah, minha futura Doutora Elise! Eis aqui a melhor aula de linguistica da minha vida!

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  2. Olá, Elise!

    Como é bom vê-la de volta por aqui! :-)

    Que análise mais fantástica da letra de "The bottom line"! Eu já conhecia a música, mas nunca havia prestado atenção na letra dela - e mesmo que eu houvesse, não conseguiria chegar às mesmas conclusões que você!

    Depeche Mode é mesmo fantástico! Há tantas músicas ótimas, mas uma que me marcou foi "Enjoy the silence", lançada quando eu ainda morava numa república em em SP e a MTV começava a dar seus primeiros passos.

    E você tem razão em seu desabafo: perdeu-se muito dessa poesia nas músicas hoje em dia. É uma pena ver que a pobreza impera nas letras que fazem sucesso. Bons tempos aqueles!

    Um abraço! E, como sempre, parabéns pelo texto excelente.

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  3. menine, obrigada por matar minhas saudades da Linguística! haha muuito tempo que eu não lia nada sobre Saussure :) e é mais gostoso ler assim, sem obrigação e com textos com que a gente pode se identificar um pouco mais, hehe gostei!

    agora vou polemizar... haha na verdade nem vou, mas é que eu passei pelo mesmo quando entrei na Letras, ou até antes, acho, de ficar totalmente "in love" com letras complexas e repudiar toda a música, digamos, sem qualidade literária [porque a musical não tenho mérito pra criticar, haha]. Mas depois de um tempo vc sabe claramente o que é música pra se divertir, feita com um certo descaso [proposital ou não] e o que é pra pensar [e uma coisa não exclui a outra, obviamente]... sei lá, tem música que simplesmente é feita pra vc dançar, encher a cara e se acabar, haha [sim, eu gosto de Lady Gaga! XD]
    o que eu quero dizer é que, com o tempo, vc perde a implicância ;)
    beijo!

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  4. MAMIS *O*
    Eu acabo de te dizer no gtalk que eu tinha chegado à mesma conclusão, apenas excluindo o jargão teórico-nerd ¬¬
    O fato é que eu mal consigo respirar nas últimas duas semanas ouvindo depeche mode direto, hihihi... Acho lindo como eles evoluíram literariamente desde Speak and spell xD E apesar de amar desesperadamente o Violator e o Exciter, essa faixa do Ultra ganhou um cantinho especial nas pastas indeletáveis do meu mp3 :)
    /histeriaON PRECISO URGENTEMENTE TOMAR VERGONHA NA CARA E ESTUDAR PRA FUVEST ESSE ANO /ELS /histeriaOFF

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  5. Só posso dizer: nossa! Que sacada!
    Daquelas que só se vê em aulas de português no cursinho!
    Parabéns Elise.

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  6. muuuito bom

    essa coisa do Eu te sigo ser inevitável e natural, eu tinha percebido, e isso é fantástico e belo

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  7. Excelente texto, excelente mesmo!

    Agora... e a continuação que vc cita no finalzinho da postagem?

    Creio que os seus leitores, (assim como eu), ficarão felizes em ler a sua posição referente a continuação da letra em questão! rsrsrsrs

    Abraços.

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