Aline estava à mesa, lendo um e-book d’A História sem Fim, de Michael Ende, em seu tablet. Ao seu lado havia a edição em alemão do mesmo livro, cuja dona é Elise, que estava em sua cama, à volta com uma pilha de livros a serem catalogados num app para celular.
— Que bonitinho — disse Aline, enquanto terminava de ler uma passagem do e-book. — Ele transcreve aqui o som da coruja. Será que ele faz isso em alemão também?
Aline pegou, então, a edição alemã e procurou a página correspondente.
— Olha, ele também transcreve. Olha aqui! — e mostrou a expressão "Huhu" na página. Elise pegou o livro e constatou que a coruja também fala no original.
— "'Huhu', machte der Nachtalb. 'Will man zur Kindlichen Kaiserin?'" — ela lê, e continua, agora traduzindo. — "'Huhu', disse a coruja. 'Quer ir ver a Imperatriz Criança?'". — Ela dá uma pausa, e continua.
— "'Ganz recht', sagte das Irrlicht"... isso é... "'exatamente', disse o fogo-fátuo". "'ich habe ihr eine wichtige Botschaft zu überbringen'"... deixa eu ver... eu tenho uma... er... "nicht die Botschaft zu beklagen", isso tá na letra de Der Morgen danach... ai, pera...
— Mensagem? — disse Aline.
— É. Mensagem. Danke. "Eu tenho uma mensagem importante pra entregar pra vocês"...
— Não, é pra ela — Aline interrompe de novo.
— É, tá certo. Ihr é "para ela". Se fosse "para vocês", seria "euch". Hmmm... "'Was denn für eine?', knartze der Felsenbeißer". Esse "was für" é tipo um "que", como em "was für ein Fest", é "que festa!". Então ele pergunta aí "que mensagem?".
— Ah, entendi.
— "Nun" é "agora". "'Nun', das Irrlicht trat von einem Bein aufs andere", aqui ele tá indo de uma perna pra outra, sabe?
— Sei.
— "es ist eine geheime Botschaft"... hmmm... é uma mensagem... ai... pera... deine Geheimnis...
— Secreta?
Nesta hora Elise tem um ataque furioso e grita:
— AAAAAAAAH SAI DAQUI!
Aline, temendo por sua vida, já que a amiga tinha em mãos um livro consideravelmente pesado, sai de um pulo do lugar onde estava e, tropeçando nos livros e na cadeira em seu caminho, vai se esconder atrás da porta do guarda-roupa.
— SUA VACA! DAS IST UNGLAUBLICH! DU KENNST MEHR DEUTSCH ALS ICH E VOCÊ NEM ESTUDA!
— ...só um pouquinho — Aline continuava escondida, mas começava já a querer rir.
Elise procurou algo para atirar na amiga, mas como não encontrava nada (— E EU NEM ACHO ALGUMA COISA MACIA PRA JOGAR EM VOCÊ, SUA VACA), tirou as meias, enrolou-as e jogou na direção de Aline. Esta jogou as meias de volta, e Elise atirou-as novamente.
— Coloca a meia, você vai ficar com o pé gelado... — dizia, temerosa, uma Aline já prestes a entrar em crise histriônica.
Elise pegou as meias mais uma vez, olhou para a amiga atrás da porta do guarda-roupa e começou a rir também.
— Sua vaca... vem cá.
E tirou a amiga de trás da porta e a abraçou.
Moral da história: nunca brinque de sopa de letrinhas com a Aline. Ela é capaz de inventar uma língua própria e acabar tirando uma com a sua cara sem querer. <3