sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Desafio Literário 2013 – Janeiro, Tema Livre: Dragão Vermelho, Thomas Harris

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– Sabe como me pegou, Will?
– Adeus, dr. Lecter. Pode deixar-me recados no número constante da pasta.
Graham começou a andar.
– Sabe como me pegou?
Graham saiu do campo de visão do dr. Lecter e caminhou rapidamente para a porta de aço.
– O motivo pelo qual me pegou é que somos exatamente iguais. – Foi a última coisa que Graham ouviu, quando a porta de aço se fechou às suas costas.

Eu ia começar o Desafio com Carta ao Pai, do Kafka, mas alguns problemas logísticos acabaram por fazer com que eu esquecesse de pegá-lo na casa da minha mãe. Daí um amigo me emprestou Dragão Vermelho, que era um livro que eu queria ler fazia bastante tempo. E pra trocar de livro no Desafio não custou muito.

A história do livro é bastante conhecida pelas adaptações para o cinema, apesar de não serem uma cópia fiel do que está escrito. Há duas: uma de 1986, que saiu com o nome de Manhunter, e a mais famosa, Red Dragon, de 2002, com Anthony Hopkins e Edward Norton. Particularmente já perdi as contas de quantas vezes eu vi esta última, especialmente quando me dá na telha de ver todos os filmes em sequência. Mas divago. Tenho que falar sobre o livro…

Ao contrário do que se pensa quando se olha para a capa do livro, Hannibal Lecter não é o personagem principal. Ele nem mesmo é frequentemente recorrente na narrativa. Lecter aparece, de fato, apenas duas vezes, e no restante do livro só temos contato com suas interações com o Dragão Vermelho ou com Will Graham. O que assusta um pouco é que ele parece saber exatamente o que aconteceu, está acontecendo ou vai acontecer.

Os dois personagens principais na história são Will Graham e Frances Dolarhyde. Graham é um agente do FBI… aposentado? Acho que é o termo adequado. Após ter pego Lecter – e pagado um certo preço por isso – ele se retira do FBI e vai viver uma vida tranquila à beira da praia, na Flórida, com a mulher e o enteado. Mas a tranquilidade é quebrada quando seu ex-chefe, Jack Crawford, vai visitá-lo levando debaixo do braço uma pasta contendo informações sobre assassinatos que ocorreram em duas cidades distintas, no espaço de um mês lunar. Como diz o ditado, levemente adaptado, “você tira a pessoa do FBI, mas não tira o FBI da pessoa”. Graham acaba por seguir com Crawford para tentar solucionar os crimes. Examinando as cenas dos crimes, Graham tira uma série de conclusões que passaram batidas pelos demais investigadores.

Paralelo a isso, acompanhamos Frances Dolarhyde em sua obsessão maluca e desvairada em se tornar o Dragão Vermelho. Devido a uma série de traumas de infância, relacionado a um defeito congênito, Dolarhyde acaba por desenvolver uma espécie de distúrbio antissocial, e quando deparou-se com uma imagem de um dos quadros de Blake, O grande Dragão Vermelho e a Mulher vestida de Sol, foi dominado pela imagem, e a partir daí começou o que ele chama de transformação. O tímido homem passa a elaborar planos para eliminar famílias inteiras com precisão e, digamos, coerência. Os Jacobis e os Leeds, que são as famílias já assassinadas quando a narrativa começa, possuem similaridades que chamaram a atenção de Dolarhyde. E à medida que vamos conhecendo a história deste homem, começamos a entender por que tal modelo de família é escolhido por ele.

Pois muito bem, há um maluco homicida à solta, e com quem é que Graham vai ter que falar? Com Lecter, claro.  Ele é um louco, psicopata, um monstro, mas ainda assim é aquele que vai poder dizer por que o maluco homicida resolveu sair matando famílias por aí. E ele sabe muito bem qual é a de Dolarhyde. Quando Graham vai visitá-lo, dá uma pasta a ele, que é lida em 1h – o cara além de inteligente ainda domina leitura dinâmica… –, e daí começa o “jogo”. Graham é bastante astuto para não deixar que Lecter entre em sua cabeça, mas Lecter o provoca, dizendo que só foi capturado pelo ex-agente porque os dois são iguais. No fim, Graham sai com algumas informações a mais, mas agora Lecter também tem informações sobre o maluco homicida.

Dolarhyde gosta bastante de Lecter. E resolve entrar em contato com ele. O FBI fica sabendo disso, e também fica sabendo qual foi a resposta de Lecter a Dolarhyde. Daí por diante as coisas ficam meio malucas, porque um jornalista de um tabloide acaba se enfiando no meio, o FBI o usa para arquitetar uma armadilha e tudo acaba dando errado.

Enquanto continua o jogo de gato-e-rato, com Graham descobrindo cada vez mais coisas – e ficando levemente surtado no processo –, Dolarhyde acaba se envolvendo com uma moça. A passagem em que ele percebe que ela ainda está viva é um tanto perturbadora. E este envolvimento acaba sendo o tiro que saiu pela culatra, pois a partir de certas ações de Dolarhyde, aliado a pistas que só o ex-agente consegue concatenar, Graham consegue chegar até ele.

Uma coisa que chama a atenção na narrativa é que temos uma descrição detalhada do estado psicológico tanto de Graham quanto de Dolarhyde. O ex-agente do FBI possui um dom raro, que é o de conseguir pensar como o assassino. Isso o perturba profundamente, apesar de ele conseguir, com algum custo, passar por cima da perturbação e proteger sua família. Dolarhyde, por sua vez, sofreu o que chamaríamos de extreme bullying durante toda a infância, o que explica por que ele se tornou um adulto meio esquisito e, depois, um maluco homicida.

E eu não consigo me furtar à comparação do livro com o filme de 2002. A primeira coisa que salta aos olhos é o modo como Dolarhyde é chamado pelo FBI. No livro, o termo é Gay-dentuço; no filme, ele é chamado de Fada do dente. No livro, Graham tem um insight sobre o autor de um crime durante uma consulta com Lecter, e ele percebe imediatamente quem é o serial killer; no filme, Lecter é pego depois de assassinar o flautista de uma orquestra, quando Graham percebe um livro de culinária assinalado na biblioteca da casa de Lecter. E por aí vai. Todos sabemos que adaptações de livros nunca são totalmente fiéis, mas nesse caso pode-se dizer que a coisa toda funcionou muito bem. Apenas alguns detalhes que estão no livro, e que não aparecem no filme, esclarecem de vez a coisa toda, como por exemplo, o fato de a mãe de Dolarhyde ter um papel importante na “formação” do assassino.

Enfim, o livro correspondeu às minhas expectativas. Eu já havia lido O silêncio dos inocentes, e a narrativa dos dois é bastante parecida. O modo como Harris conduz o leitor pela narrativa é bastante interessante: nós sabemos desde o início quem é o assassino, mas não sabemos o que vai ocorrer até as páginas finais. Ele nos dá informações sobre o modus operandi do crime, e acompanhamos a linha de raciocínio seguida pelos agentes do FBI para desvendar o mistério todo. Paralelo a isso, há a psicologia dos personagens, o que torna tudo mais interessante. Recomendo a leitura! =)

4 comentários :

  1. Li esse livro em inglês e acabei perdendo muita coisa. A linguagem é bastante técnica e complicada, em inglês então, me lasquei! Mas ele é maravilhoso sim. Dolarhyde tem sim um distúrbio antissocial, se chama transtorno de personalidade antissocial na literatura médica oficial. E tem níveis. O bom e velho sociopata e o querido serial killer são algumas denominações. Os transtornos de personalidade não tem cura, só tratamento, e o Antissocial nem isso. A pessoa possui um erro cerebral que impede que ela sinta empatia. E não tem nada que "cure" isso. A tarefa é então a psicoterapia pra ajudar a pessoa a se adaptar de modo assertivo à sociedade (aka sem enganar/machucar ninguém) e talvez alguma medicação pra acalmar. Os antissociais são extremamente calmos e manipuladores, é fácil de cair na lábia deles e eles são agradáveis com as pessoas. Tudo isso é pra alcançar um objetivo, ele não é agradável pq gosta das pessoas, mas pq na mente dele, elas são peões de um jogo de xadrez. Mas se alguma coisa dá errado no "plano" deles, eles então têm surtos de raiva. São pessoas extremamente rígidas, e pra elas o mundo é mau e injusto, ou seja, "eu preciso me defender pra não ser atacado / preciso atacar antes de ser atacado". Resumindo, a vida é um jogo sem regras. E é claro que nem todos os antissociais são assassinos. Como eu disse, existem graus, então algumas pessoas com esse transtorno sentem alguma empatia, bem pouquinho. É o caso do Dolarhyde. A mulher mexe com ele, ele realmente gosta dela. O problema é que ele acabou meio que criando uma segunda personalidade - o Dragão Vermelho - que era o verdadeiro vilão da história. Durante o livro, eles se tornam duas entidades diferentes, e é o máximo como o autor explora isso. Eu simpatizei muito com esse personagem, e a história de vida dele exemplifica perfeitamente como um transtorno de personalidade se desenvolve (e porquê). Já o Lecter é um antissocial 5 estrelas. Nenhuma empatia, nenhum remorso, quem o ofende deixa de existir, mas quem o trata bem pode continuar vivo. E chega a ser engraçado o fato de que ele é um psiquiatra! A incapacidade de processar emoções empáticas pode até ter ajudado ele um pouco a ser bem sucedido... enfim. Como psiquiatra e antissocial, brincar com a cabeça do Graham é super divertido, ainda mais que o detetive sabe que ele tem razão. O Graham não chega a ser antissocial, talvez ele tenha alguns traços, mas eu acredito que a questão que assusta ele é, na verdade, o exato oposto. Ele é tão empático que consegue até entender a cabeça de um serial killer. Só que ele percebe que, através dessa "habilidade", ele poderia ter cometido o assassinato também. Essa é a grande dúvida dele. E o Lecter se diverte horrores. Eu fiquei com a sensação de que o Hannibal não é tão importante no livro quanto no filme. Ele nem tem olhos azuis! É o que acontece quando um artista faz um trabalho de mestre, ele transforma o personagem. O Lecter de verdade só é com o Hopkins.

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    1. Depois da análise literária, a análise psicológica. Lu, já te falei que vc é minha psicóloga favorita? Pena que vc não pode me analisar, senão já tinha uma paciente! <3

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  2. Putz, me empolguei um pouquinho >.< Adorei a escolha de livro e a análise. E fiquei com pena do Dolarhyde... o Dragão Vermelho ganhou.

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